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A Consciência do Agora

cafe-1A janela inundava o assunto de branco.

Vi seus traços confundidos no contra-luz. Uma denúncia tímida, buscando abrigo no ofuscar intenso da manhã de sol. Ao longe, árvores, cada vez menos. Esta vista de todo dia, em mistura de beleza e familiaridade.

Junto ao cheiro fresco de café bom brotou – entre a fumaça e as xícaras – a frase pertubadora e há muito escondida. Eternos segundos do bater da louça branca e o som do misturar adoçante. O cheiro-gosto do café era de expectativa intensa.

“Estou inseguro sobre o meu futuro…queria falar com você sobre isso.” Era uma frase fugida do calabouço da alma.

Na manhã radiante de verão, dava para contar as nuvens do céu em apenas uma das mãos. Via-se ao longe o rastro do avião distante na janela azul-branco-verde-árvore. O aroma negro inundava cérebros e corações em nuances, perfumes e sensações quente-delícia.

O relógio insistindo em andar, sina e missão tiquetaqueante.

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Agenda, futuro, compromisso; será que não dá nem para tomar um cafezinho? “Não vai dar tempo!” “Será que ontem fizemos o que tínhamos que fazer para que amanhã dê tudo certo?” Sorviamos quietos o prazer negro fumegante – ouvíamos nitidamente o aroma invadindo a alma – apenas um olhar mais atento já denunciaria esta invasão fumegante.

Porém, foi visível a mudança de expressão quando o futuro tomou conta de seus pensamentos. Percebi sua consciência se esvaindo, fechando a entrada da janela de sol e do aroma do café. Seus olhos saíram do caminho, fugiram de casa. Nunca mais o prazer instantâneo daquele momento único entre nós.

Vivemos atrás ou avante de nosso momento presente na maior parte de nossa vida. Fugaz presente que negligenciamos a maior parte do nosso precioso tempo. Somos fugitivos de casa – saímos da consciência pensando no que foi ou no que será; enquanto passa o fluxo da vida com seus múltiplos reflexos coloridos e instantâneos.

Falo e escuto e já é passado – física. Porém podemos sempre olhar nos olhos o reflexo do momento presente. Um instantâneo.

A noção de tempo busca a retenção da vida. Tentamos congelar o fluir do rio, tentamos adivinhar, moldar ou evitar o caminho inexorável para o desconhecido futuro. Temos a falsa idéia que se pode controlar o que será, ou reviver o que já se foi. Passamos grande parte de nossa vida lutando para manter ou congelar o tempo.

O que temos é o fluxo. É a água que passa hoje pelo leito do nosso rio de vida. O que já passou não existe mais. O que será ainda não é, ou foi. Já dizia Heráclito que o rio nunca é o mesmo, sempre muda.

“Existe algum fato real para você estar preocupado?”

Foi como um resgate por bóia de um náufrago que se debatia. Voltaram seus olhos e vi a xícara refletida em suas pupilas. Novamente a claridade e o aroma estavam presentes.

“Não, ainda não aconteceu, mas pode acontecer…”

Conta Carl Jung que um chefe indígena norte-americano dizia que a maioria dos brancos apresentava rostos tensos, olhos assustados e um ar muito cruel. Dizia que aparentemente os brancos sempre estavam buscando alguma coisa e perguntava: “O que eles estão buscando?” Dizia este chefe que os brancos estavam sempre querendo alguma coisa, sempre agitados e descontentes. Realmente os índios não sabiam o que eles desejavam. Na verdade eles achavam que os brancos eram todos loucos.

Sabio

Preocupar-se diz tudo quando se divide em “pré” e em “ocupar-se”. Estamos tão ocupados com o futuro que perdemos a chance de realmente vivenciar o presente. Provavelmente estamos preocupados em demasia na maior parte dos segundos da nossa vida.

O tempo como o definimos é uma ilusão, já que foi criado para eternizar/aprisionar momentos, e isso soa como impossível. Quando nos deparamos com esta ilusão nos perguntamos o que fazer, já que estamos aprisionados e condenados a viver em um mundo absolutamente dominado pelo tempo.

Livrar-se da escravidão do tempo significa sair da dependência psicológica do passado ou do futuro. Esta provavelmente é a maior conquista que a consciência pode ter. A consciência do presente é rara em nós, seres humanos desta dimensão. Temos fugazes lampejos vez ou outra deste nível de consciência, a consciência do agora. Normalmente quando sofremos um grande baque psicológico, uma grande perda por exemplo, ou quando nos encontramos em meio à natureza e suas maravilhas, estamos conscientes do agora. Porém, normalmente apenas vivemos em níveis diferentes de inconsciência, onde nos aprisionamos em passado e futuro, sem ter a real presença no agora.

A inconsciência poderia ser definida como a identificação que temos com nossas emoções, desejos, reações, aversões e pensamentos. É o estado normal da maioria das pessoas neste mundo. É o estado em que somos governados por nossa mente, onde a presença do Ser não está consciente. Estes conceitos estão descritos por Eckart Tolle em seu livro “O Poder do AGORA”. É uma leitura fascinante, vale a pena.

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De acordo a Tolle, o estado normal de inconsciência provoca uma espécie de “ruído de fundo”, que não poderia ser definida como sofrimento, mas sim como um desconforto básico, como uma irritação causada por um ruído contínuo que não percebemos existir até que ele pare, e aí temos a sensação de alívio que isso causa. Muitos usam a bebida, as drogas, a comida, o trabalho, o sexo e outros “entretenimentos” para aliviar o desconforto básico do estado normal de inconsciência. O uso contínuo destes artifícios funciona como um vício, e o alívio é cada vez mais curto quanto mais são usados. O agravamento do desconforto causa um nível mais profundo de inconsciência, onde o que antes era apenas desconforto passa a ser real sofrimento. É quando temos a sensação de que as coisas “vão mal” e que estamos ameaçados em nossa sobrevivência futura. Estamos então no estado de “preocupados”.

Diz também Tolle que a melhor maneira de medir o nível de consciência é a maneira como lidamos com os desafios da vida. Quando eles surgem, a tendência das pessoas inconscientes é se tornarem mais inconscientes, ao mesmo tempo que uma pessoa consciente torna-se ainda mais intensamente consciente. É uma lei natural.

Portanto, podemos encarar os desafios como oportunidades para enfim acordarmos mais a nossa consciência; ou então; podemos deixar que os desafios agravem o nosso grau de inconsciência. Corremos o risco de levar o nosso sono para níveis tão profundos que nossos sonhos podem facilmente tornar-se pesadelos. A inconsciência cada vez mais profunda gera reações de medo e tentativas cada vez mais desesperadas de auto-preservação. O sofrimento está então instalado em nossos seres.

Por outro lado, a consciência cada vez mais desperta, através da observação do que está ocorrendo, aqui e agora, em nosso corpo e em tudo que nos cerca a cada segundo, é o sinônimo da presença no agora e a possibilidade de melhor lidar com as coisas que, de forma ilusória, “vão mal”.

O café naquela manhã branca de luz foi uma inundação nas consciências. Deixou de fazer sentido conversar sobre passado/futuro apenas com a observação da realidade do aroma intenso. A luz era forte; o verde das árvores era espetacular; e o café era reconfortante.

O agora inundava o assunto de luz e a pergunta sobre o futuro era apenas uma ilusão.

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