Trabalhar junto a outras pessoas é provavelmente uma das mais antigas realidades da humanidade. Logo depois de nossa descida das árvores, e mais adiante em nossas caçadas aos mamutes, estávamos exercitando constantemente o grande jogo do trabalho em grupo e das infinitas possibilidades das relações humanas contidas nesta atividade.
No exercício dos trabalhos em equipe, tal qual o que ocorria durante as grandes caçadas do passado, somos brindados por experiências riquíssimas vindas dos sucessos; passamos por crises eufóricas; por crises depressivas; experimentamos retumbantes fracassos; vivemos alegria genuína; mergulhamos em depressão profunda. Passamos por toda a sorte de vivências através da simples dinâmica de estarmos ombro a ombro com outros seres humanos.
Vale lembrar que os sobreviventes, aqueles que contaram as histórias, foram os que conseguiram caçar os mamutes; ou seja, os vitoriosos do trabalho em equipe. Os outros, provavelmente não viveram para contá-las.
Imagine alguém caçando um mamute sozinho em campo aberto, ou mesmo alguém tentando ser bem sucedido nesta empreitada participando de um grupo que não tenha elementos básicos como um bom plano de caçada, ou ainda que não conte com cooperação e confiança entre os membros da equipe e, acima de tudo que não gaste muito suor para vencer a parada e atingir o objetivo! Se estes ingredientes não estiverem presentes, dificilmente este indivíduo poderia saborear um churrasco ancestral algum dia de sua existência.
Pois é, ser bem sucedido em um trabalho em equipe já significou a diferença entre a vida e a morte para os nossos antepassados.
Será que isto mudou muito hoje em dia?
Em geral na vida, e em praticamente todas as situações do mundo corporativo especificamente, nos deparamos com vários “bandos de mamutes” para serem caçados. Além disso, apenas os que efetivamente caçam os mamutes sobrevivem! Não estamos fora da Seleção Natural apenas por vivermos no século XXI!
Este dado básico de que seguimos em nossa batalha de sobrevivência, chama a reflexão a respeito das razões pelas quais alguns grupos funcionam bem e outros não.
Vejamos uma das definições de “time” ou “equipe” (em livre tradução de Jon Katzenback, uma das maiores autoridades atuais sobre o tema de liderança e trabalho em equipe.):
“Um time, ou equipe, é um grupo de pessoas com perfis e comportamentos complementares comprometidos com um objetivo que faça sentido e seja mensurável. O time para funcionar bem deve ter metas claras de desempenho individuais, e os seus membros devem manter-se uns aos outros comprometidos com as metas individuais e do grupo.”
Esta é apenas uma entre muitas definições técnicas a respeito do que é este fenômeno que multiplica a força humana de uma forma assombrosa. Porém, estamos já cansados de ler, estudar, verificar, pasteurizar, adotar, adaptar, copiar, enfim exaurir todas as técnicas a respeito das “regras de ouro” de como trabalhar em equipe, e, no entanto, verificamos constantemente que alguns grupos são bem sucedidos, outros simplesmente falham, mesmo que se aplique “tudo” o que sabemos a respeito.
Em muitas situações, grupos teoricamente imbatíveis e vencedores deixam o mamute ir embora tranquilamente… O que faz a diferença entre o grupo que consegue a caçada e aquele que falha? Qual é a mágica do sucesso? Será sorte?
Talvez um pouquinho de sorte possa tembém fazer parte dos ingredientes, mas desconfio haver três outros fatores fundamentais que poderiam ser os responsáveis diretos pelo fracasso ou sucesso de equipes de trabalho.
O primeiro fator, adotando uma livre denominação que me parece o mais abrangente possivel, é o fator que chamarei de “Missionário”.
O “Fator Missionário” diz respeito especificamente ao elemento líder da equipe ou grupo de pessoas; formalmente nomeado ou mesmo o líder informal deste grupo. Diz respeito também às suas habilidades chamadas normalmente de “liderança”.
Este elemento, o “Missionário”, tem um papel fundamental ao recolher adeptos incondicionais à sua causa, de representar a esperança dos tempos melhores para todos se a tarefa do grupo for executada corretamente. É aquele que aponta para o deserto à frente de seu povo e diz: “Do outro lado há esperança e vida melhor!”. E, pasme, o grupo acredita nele e segue em frente na areia escaldante…
Este elemento é aquele que influencia os homens da caverna a pensarem e sentirem no fundo de seus corações que seria muito bom conseguirem matar mamutes para alimentar e aquecer o grupo por um bom tempo. O “Missionário” faz com que seja claro a todos que o grupo estaria feliz, com seus membros individualmente também felizes e alimentados. Todos com a vida melhor estruturada para partir para o próximo mamute do dia seguinte.
Este líder mobiliza diretamente as emoções do grupo, faz com que as pessoas superem seus próprios padrões de desempenho normais, alcançando inúmeras vezes padrões muito altos de energia e realizações. De repente as pessoas estão “dando o sangue”, ou, em outra expressão comum, “estão colocando o coração nas tarefas que realizam”. Estão e sentem-se mobilizadas em seus sentimentos pela influência do líder.
O “Missionário” pode utilizar inúmeras formas ou “ferramentas de liderança”. Ele pode ser carismático, pode ser persuasivo, pode ser diplomático, pode ser tirânico, e muitas outras coisas mais. Mas o realmente fundamental é que sua visão seja compreendida facilmente (objetivos do grupo) e que esta visão seja imediatamente reconhecida como a aspiração genuína daquele grupo de seres humanos – e é primordial que as aspirações coletivas estejam alinhadas às aspirações individuais. Ele vai ser um real “Missionário” quando puder entender as necessidades de seu grupo e sintetizá-las falando diretamente e individualmente ao coração de cada um dos elementos que formam sua equipe. (Isto requer uma dose cavalar de Inteligência Emocional!).
A qualidade e as habilidades do “Missionário” fazem enorme diferença a respeito do sucesso ou fracasso do grupo ou equipe. Sem a presença deste fator, representado por um indivíduo, ou mais de um, dificilmente o grupo terá energia suficiente para seguir vencendo por muito tempo. Sem ele, o sucesso pode ser apenas efêmero.
Vamos para o segundo fator – “A Crença”.
Ela aparece quando o grupo começa a colher os primeiros frutos da visão do “Missionário”. É aquele momento mágico quando o que parecia distante e impossível começa a acontecer para aqueles que tiveram coragem para seguir aquele “maluco”… A “Crença” nasce do primeiro mamute caçado, daquele mamute que foi abatido seguindo a nova ordem sugerida pela influência do “Missionário”. É aquele mamute que custou muito esforço e fé, porque foi caçado usando novas técnicas e organização propostas e estudadas com amor e executadas com expressivo sacrifício por parte de todos os membros do time. Isto sem ter nenhuma certeza concreta que o sucesso viria!
A “Crença” é fruto direto e imediato daquele sucesso que veio depois do esforço enorme da equipe, que ainda não sabia bem como era ganhar o jogo e que, muitas vezes, nunca soube realmente o que significaria isto para o resto de suas vidas.
Neste momento, os membros do grupo praticamente não acreditam no que aconteceu.
Não é que deu certo e o mamute foi mesmo capturado?
Que festa! Um grande churrasco é fundamental para sacramentar a “Crença” e não tenha dúvidas que um bom “Missionário”, dentro de suas habilidades de liderança, não perderia (e não perde mesmo!) a chance de comemorar em grupo e individualmente com os seus (agora sim!) reais seguidores.
Ele tem que capitalizar imediatamente esta fagulha, para conseguir uma chama duradoura e vistosa, que seja o coroamento daquele esforço feito com o coração; construido com a entrega abnegada de todos os membros da equipe. Neste momento, o “Missionário” pode vencer os últimos resistentes ao seu discurso, pode conquistar os últimos renitentes fiéis ainda não totalmente convencidos sobre a sua causa.
O nascimento da “Crença” é o mais mágico dos momentos para uma equipe e normalmente é este momento que compõe a maior parte das lembranças eternas dos participantes sobre o que de mais significativo, individualmente e em grupo, aconteceu em sua experiência com aquelas pessoas, naquele tempo longínquo. Este o momento de maior sabor para todos, o que fica gravado como o sinônimo e a síntese daquele time de trabalho. Grande parte das histórias contadas aos netos são sobre este momento, que é normalmente contado em detalhes marcantes, revivido com as mesmas renovadas emoções daquele momento e exaustivamente vasculhado em seus mínimos detalhes. Uma vez, mil vezes.
Bem, depois de ter a “Crença” estabelecida, resta ainda o nosso terceiro fator:
A “Religião”.
Este fator começa a tomar forma depois do terceiro ou quarto mamute capturado e morto. Os membros da equipe já começam a aperfeiçoar a arte da caçada, criando melhores condições e incrementando a produtividade do trabalho em equipe. O entusiasmo é forte e a sensação de realização e sucesso passa a ser dominante em todos os elementos do grupo. Começa a ter forma clara o sentimento de que se pode fazer melhor, de que nada é impossível, que o grupo tem o poder de realizar qualquer tarefa, qualquer desafio é encarado como mais uma conquista certa no futuro breve.
Nosso grupo de caçadores, quando em contato com o fator “Religião”, passa a olhar não apenas o objetivo inicial de sua existência, além disto, este grupo passa a ter seu olhar voltado aos outros grupos de homens concorrentes. O grupo faz planos e estratégias de como realizar melhor e como conquistar os melhores mamutes do mercado. O sentimento vigente passa a ser de que já não basta apenas caçar o mamute, ele tem que ser o melhor mamute e a caçada tem que ser a mais eficiente. Além disto, ela deve ser também a mais divertida de todas!
Quando a “Religião” se instala, o “Missionário” passa a ser o ponto referencial para todos. Sua atuação está no campo da manutenção dos pontos básicos e fundamentais do impulso inicial e da motivação de todos. Ele passa a atuar como aquele que mantém o fogo aceso, que faz pulsar o grupo no ritmo seguro de continuar vencedor. Ele mantém os corações pulsando no mesmo ritmo entusiasmado, o que passa a ser fundamental para que o sucesso seja consolidado e perene.
Sua missão passa a ser de controlar a equipe para que ela não se perca em prepotência ou em tédio, que ela não passe a perder tempo demais planejando a excelência perdendo o sentido prático de que são necessários mamutes todos os dias para alimentar as pessoas.
Quando o “Missionário” compreende bem que seu papel mudou de “revolucionar” para “orientar”, o que ocorre normalmente é que a “Religião” acaba levando o grupo mais longe do que o lugar sonhado inicialmente por ele no inïcio do processo. É normalmente uma surpresa que vem da infinita capacidade humana de realizar tarefas que não poderiam ser concebidas como possíveis algum dia. A “Religião” alavanca o processo de desenvolvimento de todo o grupo e de seus objetivos de uma forma extraordinária porque a própria inércia do movimento passa a alimentá-lo, criando aquela sensação de que não dá mais para interromper o processo.
A “Religião” aumenta o poder realizador do grupo exponencialmente. Na síntese, é a própria missão do grupo trabalhando para atingir as suas metas.
Dentro de nossa analogia pré-histórica, este fator poderia ser representado como o sentimento de que não há como sair em caçada ao mamute e não trazê-lo para casa! Ou ainda, de que o grupo existe, vive, respira e trabalha exclusivamente para caçar mamutes a aperfeiçoar esta arte! Claramente a “Religião” está relacionada ao poder do “Missionário” em criar um modelo mental consistente e forte em seu grupo de trabalho. Este modelo mental é tão poderoso que os membros da equipe passam a ser reconhecidos como “parte da Religião” e passam a ser normalmente muito orgulhosos desta condição! Passam inclusive a identificar-se individualmente com apelidos, nomes, marcas, uniformes, estilos de vida, vocabulário próprio, etc. etc. que caracterizam imediatamente a que grupo pertence e identifica também prontamente o que seguem e no que acreditam.
É importante ressaltar que se o “Missionário” e a “Religião” criada não forem adequadas, mesmo com alguns aparentes sucessos, a experiência toda pode não passar de fanatismo e loucura desenfreada… A História tem muitos exemplos disto e muitos psicopatas que ocuparam (ou ocupam) posições de “Missionários”, mas isto não vem ao caso neste artigo.
Voltando ao nosso tema, para concluir, parece ser que a “mágica” do trabalho em equipe e liderança seguem uma sequência que pode ser considerada bastante lógica. Obviamente que os fatores enumerados por gente séria como o Sr Jon Katzenback são fundamentais para que tudo funcione em uma equipe, mas os ingredientes da vontade humana de fazer algo diferente e marcante são para mim as reais molas por trás dos acontecimentos – sucessos e fracassos:
É preciso um “Missionário” (ou mais de um) com proposta comum, pertinente às necessidades individuais e coletivas de um gupo de pessoas. Esta proposta deve ser inovadora, inspiradora, desafiante e possível de ser atingida por este grupo que apresenta competências para concretizar o objetivo proposto. Tudo isto avaliado corretamente pelo “Missionário” com suas habilidades de liderança e conhecimento da alma humana. Na sequência são necessários sucessos e celebrações iniciais para criar e alimentar A “Crença”. Com a sequência de sucessos e o aprimoramento das técnicas e da produtividade da equipe, forma-se a “Religião”, que faz com que os grupos se auto-alimentem em seu impulso para obtenção de mais sucessos e assim por diante.
Seria tudo perfeito se não fosse o triste fato de que um dia os mamutes são extintos. Neste momento, os caminhos que levaram os grupos ao sucesso até aquele momento não são mais válidos para a sobrevivência futura. Alguns são bons para criar novos Missionários, Crenças e Religiões, e assim contaram suas histórias aos netos. Outros seguem caçando mamutes até a morte.
Não estamos livres da Seleção Natural, e neste momento o fator novo neste jogo é a velocidade com que as coisas acontecem em nossa sociedade. Hoje, a demanda por Missionários, Crenças e Religiões é praticamente instantânea, na velocidade da luz. Esteja preparado para isto e assim possa contar histórias aos seus netos.